Blog Colégio Apoio

CARTA ABERTA SOBRE A AUSÊNCIA DE LEIS LGBT+ NO BRASIL

Escrito por Colégio Apoio | 31 ago 2020

O Brasil foi um dos primeiros países do mundo e das Américas a descriminalizar a homossexualidade em 1830, porém não houve muitas melhoras em relação à proteção e aos direitos de homossexuais e LGBTs até 2010, quando a política brasileira se voltou novamente para essa causa. Foi nesse período em que ocorreram a criação de importantes leis que defendem essa comunidade, como, por exemplo, as leis que permitem a adoção de crianças por casais homoafetivos, o reconhecimento jurídico da redesignação sexual e a reprodução assistida para pessoas LGBT.

Porém, apesar dos avanços já feitos, ainda temos a carência de mais leis que garantam a maior proteção desse grupo, buscando pela igualdade de direitos entre os LGBTs e os héteros e cisgêneros, que são considerados os padrões de nossa sociedade. No Brasil, até o momento, não existem leis que garantam o terceiro gênero no registro civil, a proteção de crianças intersexo de procedimentos cirúrgicos invasivos, entre outros. Além disso, a terapia de reorientação sexual permanece legal se feita por, exemplificando, religiosos.

O casamento civil homoafetivo e a criminalização da homofobia são ambos direitos apenas concedidos por meio da intervenção do STF (Supremo Tribunal Federal), ou seja, do poder judiciário, ainda não tendo legislações que os firmem, havendo muita fragilidade em relação a esses direitos por conta disso. Atualmente um dos maiores problemas em relação aos direitos LGBT no Brasil é, segundo a coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual, da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, Heloísa Gama Alves, a ausência de leis federais que protejam os direitos dessa população, sendo ainda invisíveis aos olhos do Congresso Nacional. Portanto, as decisões judiciais têm promovido o reconhecimento de direitos, enquanto a legislação encontra resistência para reconhecer as demandas por igualdade.

A criminalização da homofobia foi um direito concedido após o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, esta afirmava que, ao não legislar sobre a homofobia e a transfobia, deputados e senadores estariam se omitindo inconstitucionalmente, levando como base o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual diz que qualquer "discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" seja punida criminalmente. A decisão do STF incluiu os casos de agressão contra LGBTs no quadrante de crime de racismo até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional, porém, atualmente, não há nenhum projeto de lei para votação que proponha a criminalização da homofobia, levando em consideração que, os projetos que a defendiam foram arquivados em 2018.

Todavia, apesar de haver uma redução nos casos de homofobia em 2019, nos primeiros 100 dias de 2020, de acordo com o Grupo Gay da Bahia, houve o registro de, aproximadamente, 102 mortes violentas por LGBTfobia no Brasil, sendo 91 homicídios e 11 suicídios, mostrando dados maiores em relação ao começo do ano anterior. Com isso, podemos constatar que uma decisão do meio judiciário tem um peso diferente em comparação ao de uma lei. 

Já o casamento homoafetivo foi reconhecido em 2011 pelo STF, entretanto, com a resistência dos cartórios em reconhecer esse direito. Em 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) emitiu uma resolução, obrigando todos os cartórios do país a realizarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Sendo assim, a união civil entre casais homoafetivos está inserida dentro de uma condição de existência judicial, mas não legal, podendo ser contestada por conta de sua fragilidade. Ademais, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2014, apesar de haver um crescimento de 31% nos números de casamento entre LGBTs em comparação com 2013, a maioria ainda está concentrada na região Sudeste. Portanto, concluímos que a falta de uma legislação produz desigualdades no acesso a esse direito.

Além disso, de acordo com a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), jurista, advogada e ex-magistrada brasileira, Maria Berenice Dias, enquanto não há legislação, existe um vácuo, o qual está sendo preenchido pela Justiça, que reconheceu as uniões, assegurou o direito ao casamento, o direito à alteração de nome e gênero, tudo dentro da omissão do Legislativo. Logo, temos que as decisões judiciais podem ser, para mais de facilmente contestadas, rapidamente sobrepostas por ordens do Poder Executivo e Legislativo, sendo sensíveis ao extremo em relação a mudanças de presidência e ao conservadorismo desses poderes.

Também temos que considerar a ausência de dados oficiais e nacionais sobre a homofobia, que nos impede de mensurar com precisão o tamanho da violência contra LGBTs no país, causando uma carência de um diagnóstico do problema e impossibilitando a criação de uma solução por meio de políticas públicas, sendo necessário recorrer ao trabalho de organizações não governamentais para obter estatísticas sobre o assunto. Por conta dessa falta de estatísticas do governo, muitas denúncias de homofobia nem viram processo, como afirma a coordenadora de Políticas para a Diversidade Sexual, da Secretaria de Justiça do estado de São Paulo, Heloísa Gama Alves. 

Desta maneira, temos que o Brasil ainda não possui tantas legislações específicas para a comunidade LGBT, sendo, diversas vezes, decisões do Poder Judiciário, as quais podem ser contestadas por não constarem na Constituição Federal, não sendo totalmente aceitas por juízes de alguns estados. Além disso, existe também uma sensibilidade do direito diante da possibilidade de alteração judicial e legislativa, trazendo instabilidade para os LGBTs. Por isso, é de suma importância uma posição ativa diante dessa situação, de forma que não aceitemos as migalhas proporcionadas pela Justiça, clamando pela criação de legislações por meio de petições que pressionem e exijam uma ação do congresso a respeito da ausência de leis LGBTQIA+ no Brasil, reivindicando a importância delas para maior igualdade de direitos, estabilidade e proteção dessa comunidade, ressaltando, juntamente, a necessidade de dados oficiais, produzidos pelo governo, sobre a LGBTfobia no país, para que sua monitoria e combate sejam facilitados. 

É necessário a mobilização para que haja uma mudança. É necessário que reivindiquemos nossos direitos.

Ligia Lima Tavares