A experiência do conhecimento não cabe nos livros, quadros e cadernos. E na disciplina de História, temos um infinito mundo de possibilidades para oportunizar a construção desse conhecimento. Aplicativos, telas e outros suportes são muito bem-vindos na construção dessa trilha formadora, mas trazer um elemento ficcional, criado pelos alunos num formato de jogo coletivo, pode ser uma experiência muito significativa. A narrativa, a investigação, a imaginação e a criticidade são elementos importantes no jogo RPG (Role Playing Game). Esse jogo tem sua origem nos EUA na década de 1970 e se popularizou no Brasil a partir dos anos 90, com histórias que envolviam um universo medieval fantasioso, sendo o mais popular deles, o Dungeons & Dragons. (GOMES; NETO; FIALHO, 2011). Ao compreendermos essa maneira de estudar um período histórico, usando a criatividade e a mobilização do que foi estudado, lançamos uma proposta de aula, baseada no jogo RPG para a finalização do conteúdo de Revolução Francesa, dos 8º anos do Fundamental II. 

O RPG é um jogo de contação de histórias e, que acontece sob a narrativa de um mestre. No início do jogo, os alunos recebem instruções e características de seus personagens, como: classe social, gênero, idade, etc. Essas informações foram disponibilizadas em um áudio exposto em sala através de um QRCode, que os alunos foram direcionados a ouvir, divididos em três grandes grupos. Em nossa experiência, com os 8º anos, tratamos dos três principais grupos sociais da França durante a Revolução Francesa, os girondinos, os jacobinos, e os sans culottes. O objetivo é que, atentos a essas informações, os alunos, diante de situações-problemas, tomem decisões que sejam favoráveis a seus personagens e aliados. Como Eli Teresa Cardoso (2008) afirma: “jogar RPG é fazer de conta: o jogador finge ser outra pessoa, age como ela agiria e pensa como ela pensaria”. Dessa forma, o estudante é capaz de mobilizar muitas habilidades e competências como a argumentação, a oralidade, o planejamento estratégico na tomada das decisões, a inteligência emocional, o trabalho em grupo, a leitura e a interpretação de texto e imagens.

Na dinâmica do jogo, é necessário que o estudante “desenvolva uma performance empática” (CARNEIRO,2020, p.220), que dê conta das supostas experiências do personagem que eles representam. Para isso, criamos as cenas e esperamos que nossos alunos façam escolhas e lidem com as consequências delas. Um exemplo dessas cenas segue abaixo:

CENA 2

Ao receber a carta da convocação, os girondinos percebem a oportunidade que receberam e vão confiantes para a reunião. Após o fracasso da reunião e do aumento dos impostos, o partido burguês vai pensar em uma Constituição.

Ação: 

  • Na constituição, você coloca os sans culotte alfabetizados com direitos políticos? 
  • Exclui os sans culotte?

Nessa cena, os personagens girondinos devem escolher se vão criar uma aliança política com os grupos menos remediados da cidade de Paris. Essa escolha é pensada com calma, pois tanto os girondinos quanto os sans culotes podem ter seu futuro prejudicado.  Em nossa experiência, os 8º anos acabaram por escolher fazer uma aliança com os sans cullotes, mobilizando algo que já tinha sido estudado em sala: que esse grupo era muito numeroso. A justificativa dos alunos girondinos foi que, ao agraciar os sans culotte com participação política, eles teriam uma maioria a seu favor.

O RPG é um instrumento pedagógico que confere uma valorização dos conceitos apresentados em sala pois, à medida que o mestre-narrador apresenta as “cenas” - situações problemas, as decisões precisam ser tomadas levando em conta o cenário histórico, os conceitos estudados e as habilidades e perfil do personagem. Permite também a interdisciplinaridade, uma vez que elementos da Geografia, Arte e Filosofia foram mobilizados durante a narrativa dos alunos. Como explica Eva Carneiro: 

“Ele incentiva a leitura, a escrita e a pesquisa, ao passo que, para a construção dos personagens, faz necessário um prévio estudo da ambientação do jogo, bem como a construção de uma história prévia para os personagens, o que, por seu turno, reforçaria a necessidade de consulta aos manuais e à pesquisa em outros meios. (2020, p.218)

O jogo segue deixando claro que não se trata de vencedores ou perdedores, mas que a história narrada precisa de articuladores. Para tanto, há possibilidade de um elemento aleatório no jogo, como o dado de 6 faces, com o intuito aumentar ou diminuir a dificuldade daquela escolha. A proposta é a construção de uma história coletiva, narrada pouco a pouco e tecida com as escolhas e justificativas dos estudantes, pois como explica Eva Carneiro:

“O desenvolvimento dos personagens não é definido pelo mestre, mas pelos próprios jogadores que decidem as ações que seus personagens devem tomar. O desenrolar do jogo se dá de acordo com um sistema de regras predeterminado a guiar os jogadores, que, por seu turno, devem improvisar livremente, de modo que as escolhas feitas pelos participantes determinam a direção tomada pela narrativa.” (2020, p. 216)

Nesse espaço narrado, “o faz de conta” serve-nos de suporte para ampliar os horizontes e trazer alteridade, ao fazer esse aluno se colocar no lugar de alguém do século XVII, por exemplo. Serve-nos também como espaço de exercício da compreensão da experiência humana, onde os personagens são humanizados e as grandes Revoluções são contextualizadas na narrativa individual e coletiva. Essa experiência é importante para trazer autonomia e compreensão ampla do que a História verdadeiramente representa: o ser humano e sua relação com o tempo e o espaço. 

Viviane Barbosa Pereira

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